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Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra – Mia Couto



(Esta é a resenha de um livro de Moçambique, do desafio UM LIVRO DE CADA PAÍS DO MUNDO).


“Encheram a terra de fronteiras, carregaram o céu de bandeiras. Mas só há duas nações – a dos vivos e a dos mortos.”

Juca Sabão


Devo admitir que “Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra” é apenas o segundo romance que li de Mia Couto, autor moçambicano, o primeiro foi sua magnum opus “Terra Sonambula”. Apesar de ser um autor que leio pouco, ele é um dos meus favoritos. Sua escrita lembra muito os autores latino-americanos do século XX ao usar do realismo fantástico para expressar sobre seu povo e cultura. Nesse romance publicado em 2002 acompanhamos Marianinho que precisa retornar à sua terra natal, a pequena ilha chamada Luar-do-Chão, para comandar os preparativos do funeral de seu avô Mariano, de quem recebeu o nome e de quem era o neto favorito.


Após passar alguns anos estudando na cidade Marianinho acaba adquirindo comportamentos que são vistos como sendo estranhos pela sua família e pelos habitantes de Luar-do-Chão. Assim, durante sua jornada nessa ilha misteriosa de acontecimentos fantásticos, Marianinho precisa desvendar uma série de segredos familiares enquanto resgata suas origens e compreende melhor as raízes e tradições de seu próprio povo.


Ao chegar na casa de sua família, Nyumba-Kaya, representação da Mãe-África, origem e morada de todos nós, Marianinho descobre que o falecimento de seu avô ainda não está completo. O pseudodefunto frequentemente entra em contato com o rapaz, que compreende que a conclusão da passagem de Dito Mariano para o mundo dos mortos está intimamente ligada com a passagem que também sofre Luar-do-Chão. Pois a ilha encontra-se em um impasse entre a modernidade e o tradicional, entre o progresso e o mítico que apenas a resolução dos conflitos individuais de seus familiares e de seu povo pode solucionar.


Em sua trajetória Marianinho deve confrontar os filhos de seu avô. Seu pai, Fulano Malta, ex revolucionário que após a independência vê com decepção e melancolia o estado de decadência de sua própria terra como resultado da guerra. Seu tio mais velho Abstinêncio, que decidiu por trancar-se em casa e se abster do convívio da sociedade e da própria família por não reconhecer mais o mundo em que vive. E Ultímio, o mais novo dos três, que enxerga nesse novo mundo uma oportunidade de obter riquezas mesmo que através da exploração de seus coirmãos, uma vez que não enxerga a si como parte de Luar-do-Chão.


No entanto, é através das personagens femininas que o destino de Marianinho, Dito Mariano, Luar-do-Chão e todo o povo da ilha encontra sua conclusão. Sua mãe Mariavilhosa, vista como uma pária no meio de sua própria gente apesar de ser inocente de qualquer crime. A avó Dulcineusa, a matriarca da família que de repente se vê em uma posição de fragilidade perante sua própria família agora que estava viúva. Tia Admirança, objeto de admiração, mas principalmente desejo, de Marianinho. Desvalorizada entre os seus devido sua própria sensualidade. E Miserinha, a viúva que vive na miséria após ter perdido seus bens por não ter um homem que a defendesse.


"Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra" é uma obra que trata da busca por origens e consegue retratar tão bem a sensação de pertencimento ao continente africano que gerou em mim um sentimento de nostalgia por um lugar que nem ao menos conheço.

(“Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra”. Autor: Mia Couto. Editora: Companhia das Letras. 262 páginas. Edição de 2003).

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