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  • Foto do escritorLeandro Barreiros

A Canção de Kali

Há um tempo percebi que, apesar de flertar bastante com o horror/terror (pro inferno, até ter arriscado algumas palavras), não havia verdadeiramente uma estante vasta de romances que tenha lido desse gênero. Bom, a estante não vai ter mesmo, porque cada vez mais prefiro a leitura no kindle por conta do preço e da praticidade (e como é bom deitar sem se preocupar com o peso do tomo).


De todo modo, percebi que a maior parte da minha leitura no gênero estava voltada para contos, ou, às vezes, novelas. Poe, Lovecraft, Barker, Campbell e, aqui e ali, um livro do Stephen King ou do Koontz.


Para consertar isso e entender melhor o que sustenta romances do tipo, tenho corrido atrás de leituras do gênero. Foi um dos motivos para eu finalmente ter lido O médico e o Monstro (que, em minha humilde opinião, não se enquadra no gênero) e, mais recentemente, para ter arriscado a leitura de


A canção de Kali




O livro de Dan Simmons conta a história de Robert Luczak, um editor de uma revista estadunidense especializada em publicações estrangeiras. Recentemente, a revista para qual Robert trabalha recebeu uma amostra do mais novo trabalho de M. Das, lendário poeta indiano. O envio da obra veio diretamente do Sindicato dos Escritores da região.


O problema é que M. Das está desaparecido há mais de dez anos, dado por muitos como morto e o texto parece diferente do estilo do poeta.


Por isso, a editora para qual Luczak trabalha pede que o autor vá até Calcutá para investigar se a obra é, de fato, do lendário M. Das e, de qualquer modo, para que ele escreva um artigo sobre as suas investigações na cidade.


Abe Bronstein, amigo e ex-companheiro de outra revista, aconselha Robert a não aceitar o trabalho. Embora meio cínico, Abe conta que sua experiência anterior na região foi... desagradável. Haveria algo estranho em todo aquele lugar. Uma atmosfera sombria, que dava a impressão da existência da perversidade como ente independente, separado da própria existência humana.


Robert, contudo, embarca para Calcutá, levando sua esposa, de origem indiana, para ajudar nas traduções, e sua filha bebê, Vitória. Você pode se perguntar porque ele faria isso mesmo com o aviso de seu amigo, mas é importante lembrar que o Sr. Luczak não sabe que está em um livro de terror.


Em Calcutá temos o desdobramento da história principal, que envolve a religião hindu, a desigualdade social, o poder paralelo que tende a imperar em lugares de extrema pobreza, cultos antigos e abomináveis e o fatídico sistema de castas indianas.


Recentemente cobrimos vários livros sobre lugares... bem... exóticos aos olhos Ocidentais no blog e percebemos uma tendência de ensinar aspectos positivos da cultura e do povo, ainda que hoje encobertos por guerras e conflitos étnicos.


Não é o caso aqui.


O personagem, inclusive, abre o livro dizendo que sempre foi um pacifista, mas que desde sua viagem a Calcutá, deseja que uma bomba atômica dizime a região.


“Alguns lugares são simplesmente malignos demais para continuar existindo”

Robert eventualmente descobre que a poesia do suposto poeta M. Das está relacionada a um obscuro culto à deusa Kali, que, por sua vez, é uma manifestação da deusa Durga, esposa de Shiva que... olha, não vou fingir que sou especialista em religião hindu. É bastante rica, mas também muito complexa. O importante é que Kali é a deusa da morte, da destruição e da violência.


E a violência, nada mais é, do que o puro exercício do poder, que, convenhamos, todos buscamos em algum momento da vida. Quiçá busquemos, de algum modo, sempre. Constrangendo os outros com nossa força, ameaça, ou simples palavras para demonstrar superioridade intelectual? Cantamos todos a música da Kali?


A miséria, o desespero e o desprezo com os intocáveis funcionam quase como os verdadeiros antagonistas da história.



(imaginar aqui imagens de extrema pobreza de Calcutá que não me senti a vontade de direcionar do Google)


A todo momento esses elementos são retomados por Robert e são essenciais na canção da deusa, que ecoa em nossa era. A deusa, de certo modo, os personifica.


Quando alguém é humilhado diante dos colegas, violentado na infância ou morto na calçada, a canção de Kali é cantada.


O livro é verdadeiramente triste e, ao mesmo tempo, esperançoso. Achei-o muito forte, em todos os sentidos, especialmente da metade para o fim. A cultura e o cotidiano de Calcutá são apresentados de maneira bem natural e as imagens que o livro produz ficam na mente por um tempo.


Me deixou interessado na escrita de Simmons e eu com certeza irei conferir algum outro título em breve.


Por ora, estou dando uma pausa nos livros de terror e conferindo a fantasia nacional. O próximo livro deve ser uma fantasia de autoria brasileira.

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