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  • Foto do escritorLeandro Barreiros

Semi resenha "O Nome do Vento"



“Podia - Disse Kvothe, com ar sério -, mas não fiz. Fiz uma escolha e me arrependo dela até hoje. Os ossos se consolidam. O arrependimento fica com a gente para sempre.”


Devaneios que podem ser pulados


Com maestria contorcionista, desviei por anos da sugestão de um bom amigo de ler a triologia ainda inacabada de Patrick Rothfuss. O motivo de minha esquiva era simples: ela estava (e continua) inacabada.


Parece que obras fantásticas tendem a sofrer deste problema. Numerosas possibilidades, numerosas páginas, numerosos volumes, numerosas frustrações. HxH, do Yoshihiro Togashi; Crônicas de Gelo e Fogo, do G.R.R. Martin e, agora, a Crônica do Matador do Rei, de Patrick Rothfuss. Será que, ao menos nesta história, encontraremos um final?


Sábio foi meu amigo M que, pouco depois do Ensino Médio, me explicou porque abandonara A Torre Negra, de Stephen King. “Percebi que os livros ficam cada vez maiores, mais caros e não terminam. Há obras ótimas que já acabaram”. Sábias palavras.


Mas cá estamos para falar do excelente (já adianto) livro do Patrick Rothfuss. Convenci-me, ou fingi, para aqui estar, que os velhos contadores de histórias estão certos. Não é tanto sobre o destino, mas sobre a viagem. Tenho que admitir que curti o passeio, então, talvez, o final não seja tão importante.


Resenha verdadeira


O Nome do Vento inicia a triologia inacabada de Patrick Rothfuss, que conta a história de Kvothe, o matador de reis. Ou Kvothe, o sem sangue. Ou Kvothe, o seis cordas. Se você ainda não percebeu, Kvothe é uma pessoa famosa. Ao longo de sua existência, ganhou reputação mítica pelos Quatro Cantos da Civilização.


Canções são cantadas sobre ele. Esses títulos, claro, foram-lhe atribuídos por outros que contam a sua história. Mas qual história o próprio Kvothe contaria?



Ascensão

A história contada por Rothfuss é, em verdade, a origem de um homem que acabou tornando-se um herói. Alguém que está acima dos homens médios, por seus feitos singulares.


Mas se Kvothe foi de fato uma figura mítica, agora é apenas o dono de uma taberna em uma pequena cidade abandonada no mundo. Escondido, mudou seu nome para não ser reconhecido pelos outros.


O que fez com que um poderoso herói se afastasse das aventuras fantásticas de seu mundo? Bom, no início da leitura não fazemos ideia. Quando terminamos, também não sabemos.


Tenham isso em conta. Não esperem muitas revelações em "O nome do Vento". O primeiro livro da triologia aborda tão somente o início da vida de Kvothe como herói. Aliás, nem isso. O livro trata dos primeiros acontecimentos que tiveram importância na vida do matador de Reis, que moldam sua decisão de se aventurar pelo mundo. Descobrimos como Kvothe ganhou algumas de suas alcunhas. As regras do sistema de magia no mundo. Que o mundo se encontra em caos. Nada muito além disso.


Como surgem as lendas



Este é talvez o ponto mais interessante da narrativa. No início do livro, presenciamos um homem contando uma lenda de forma oral na taberna de Kvothe. Há uma disputa de narrativa, com contadores disputando o que de fato se passou com o herói Taborlim em uma de suas aventuras, bem como sobre a origem do nefasto grupo dos Chandrianos.


Há discordância sobre pequenos aspectos dos acontecimentos. Vejam, a história tem vida e essa vida se transforma a cada nova apresentação. Realidade, fantasia, fatos e boatos se misturam na formação de uma história. Na formação de uma lenda. Heróis, muitas vezes, são a mistura da realidade e da fantasia.


Por exemplo, não sabemos, hoje, se o Rei Arthur é uma figura histórica real. Se fosse, haveria uma disputa poderosa de narrativa em torno de suas lendas e feitos. Seria ele um herói, que lutou em prol do cristianismo, ou um vilão, que traiu seu país pagão? Existiria alguma realidade concreta em Excalibur? Como, talvez, uma mera cerimônia de passagem de poder real?


Descobriremos através da narrativa de Kvothe como ele começou a construir sua mítica reputação. Veremos como a realidade se transforma em fantasia, seja por acaso, seja por malandragem. Ouviremos histórias antigas sobre o Chandriano e teremos que nos questionar sobre a verdade dessas histórias e sobre nossa vontade de aceitá-las como tal.


A igreja católica tehluriana



A disputa de narrativa e o poder da história é fundamental no livro de Rothfuss. Por isso, atenção redobrada quando nos deparamos com lendas e religião. Por vezes, o texto sobre as lendas parecerá contraditório. Até em sua essência. Precisei reler algumas partes para entender melhor a mitologia, porque achei que algo estava escapando. Tehluh ora é apresentado como o Deus maior da principal religião do mundo, ora é tratado como um anjo e ora como um homem. Precisei de um tempo para perceber que a confusão é intencional.


Tehluh, o grande Deus do mundo de Kvothe, que deu vida a si mesmo engravidando uma virgem, teria sido apenas um homem? Talvez. Mas se isso for sugerido, a Igreja tehluriana estará pronta para prender o enunciante por heresia.


Rothfuss tece uma contundente crítica à intolerância religiosa do nosso mundo, sem utilizar um tom deveras pedagógico. Constrói personagens absortos em seu poder, justificado pela religião, mantendo espaço para outros que representam a verdadeira essência das obras religiosas e da ideia de ajudar o próximo.


O nome das coisas e simpatias



Há uma contundente crítica ao aspecto social da religião e das disputas narrativas em um mundo cuja história é construída por vencedores, cujos paralelos encontram eco na nossa realidade concreta.


Mas foda-se, porque existe um sistema de magia muito mais interessante no mundo.


Na fantasia de Rothfuss, encontramos pelo menos duas formas de dobrar a realidade. São elas a simpatia e a arte da nomeação.


A Simpatia traz alguma relação com a química, ou talvez com a alquimia. A ideia, de maneira simples, é que é possível conectar duas coisas diferentes através de um vínculo invisível. Agir sobre a coisa A, causaria efeitos na coisa B.


Um paralelo simples para compreensão são as bonecas vodus que conhecemos. Elas são a representação de uma pessoa. Há conexão entre objeto e ser. Então, ao se espetar um alfinete no boneco, é possível machucar o ser que ele representa. Ou pelo menos é o que acontecia nos desenhos do Scooby Doo.




Mas essa conexão não é feita de qualquer jeito. Existem certas regras que limitam o uso de simpatia. Por exemplo, uma conexão entre duas coisas não necessariamente será uma conexão perfeita. Quanto mais distantes os aspectos físicos dos objetos, mais complicada se torna a simpatia.


Por exemplo, se um simpatista vê um pássaro no céu e quer derrubá-lo, seria possível estabelecer uma conexão entre uma pedra e o animal, transmitindo o peso da mesma à ave. O problema é que pedras e animais pouco combinam, então pouquíssimo do peso da pedra poderia ser atribuído ao animal.


Há diferentes maneiras de se driblar este problema. Se tivéssemos uma pena da ave, por exemplo, poderíamos colá-la na pedra, o que aumentaria a conexão entre as duas. Quanto mais íntimo o objeto de conexão mais eficiente se torna a simpatia. Se tivéssemos, por exemplo, um pouco de sangue do pássaro, seria tiro e queda, porque a conexão ficaria muito mais poderosa.


Outra maneira de se garantir o efeito das simpatias é através do uso de catalisadores. Ao criar uma terceira conexão, é possível transmitir a energia dela para potencializar a primeira relação. Parece confuso, porque realmente é. Eu poderia desenvolver melhor as coisas, mas o editor chefe está cobrando a resenha, então falemos dos nomes.


Há a possibilidade de controlar elementos do mundo ou pronunciar seus verdadeiros nomes. A princípio parece um conceito estranho, mas a verdade é que diferentes religiões e folclores do mundo destacam o poder que o nome exerce sobre as coisas nomeadas. O exemplo mais clássico são os milhares de filmes de exorcismo, normalmente resolvidos quando o sacerdote descobre o nome do demônio que possui a vítima, ganhando assim controle sobre ele.


Quem assistiu ao excelente “A Viagem de Chihiro” deve lembrar também que a protagonista perde o controle de sua vida ao abrir mão do próprio nome. E se nada disso for suficiente, basta lembrar que, se alguém chamar seu nome na rua, provavelmente fará com que você se vire em direção à voz, o que indica que, de alguma maneira, seu nome também exerce poder sobre você.


A arte da nomeação é a “ciência” mais obscura e perigosa do livro. Ao conhecer o verdadeiro nome das coisas (do vento, das pedras, do trovão) seria possível controlá-los ao seu bel prazer. Pelo menos, na teoria.



Mas qual é a história?

Percebi que falei um monte de coisas, mas não disse o que de fato acontece no livro. Bom, eu diria que a história é uma mistura de Batman, Harry Potter e Senhor dos Anéis.


Se isso não ajudou, fique de olho no próximo post, onde vou dar uma resumida marota na história toda.


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