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  • Foto do escritorBarbosa

A Caça - RESENHA ou: Linchamento virtual e a perversidade humana



O vencedor do Oscar deste ano na categoria de melhor filme internacional foi o Dinamarquês Druk, dirigido por Thomas Vinterberg e com Mads Mikkelsen no elenco. A premissa desse filme é incrível, mas vou deixar para falar dele em um próximo post. Quis pegar o gancho dessa obra porque fui procurar outros trabalhos do ator e me deparei com outra parceria dele com Vinterberg, dessa vez um drama bem denso, A Caça, filme de 2012.


Aqui acompanhamos Lucas, um professor do jardim de infância, que já estava passando por momentos complicados e, de repente, vê sua vida realmente desmoronar. Lucas é nascido e criado nessa comunidade na Dinamarca que é quase uma utopia, não vemos pobreza ou falta de segurança. Todos os moradores tem moradia e vivem uma vida confortável. Apesar da profissão de Lucas não possuir muito status, fica claro que ele não leva uma vida muito diferente dos amigos. Economicamente falando. Engraçado que é assim que idealizo o nível de bem estar social desse país, sou ignorante quanto a ordem sociocultural e geopolítica da Dinamarca, mas penso ser um país sem metrópoles e sem miséria.


Voltando ao filme. Lucas é um homem de meia idade que se divorciou há pouco tempo, e tenta conseguir a guarda do filho Marcus. Ele está realizado profissionalmente, pois tem muita facilidade em lidar com as crianças do jardim de infância, inclusive inicia um romance com uma das professoras do lugar. E no seu tempo livre ele participa de eventos de caça com os amigos de infância. O filme deixa bastante claro que Lucas é parte da comunidade e é um bom homem. A filha de cinco anos do seu melhor amigo, Klara, estuda na escolinha em que Lucas trabalha e eles tem uma relação bastante bonita, mas a menina começa a desenvolver uma paixão infantil pelo professor.


Acontece que, durante uma brincadeira com as crianças, Klara dá um selinho em Lucas, que fica atordoado. Apesar de visivelmente perturbado ele explica de forma bastante pedagógica que isso é inapropriado. Além disso, ele devolve um coração que ela havia feito para ele e sugere que ela presenteie algum menino de sua idade com ele. Essa recusa de Lucas frustra a menina, cuja reação é contar para a diretora da escolinha que ela não gosta mais do tio Lucas porque ele tem um "pipi" e mostrou pra ela. O filme desenvolve essa atitude de Klara de forma tão natural que o expectador não estranha uma criança tão novinha fazer essa associação. Aqui é importante comentar que Klara tem um irmão mais velho, adolescente, e que um amigo dele mostrou rapidamente uma imagem pornográfica para a menina. Apesar dela ter ficado abalada, não parecia que essa cena teria maiores consequências. Fiquei estarrecido com essa premissa. Será que no mundo real uma criança seria capaz de um comportamento tão dissimulado?


No entanto, assim como no mundo real, as crianças não mentem, certo? A diretora conta o ocorrido em uma reunião de pais e comunica à polícia que um de seus professores teria abusado de uma criança de cinco anos. Rapidamente o caso ganha repercussão na comunidade e todos se revoltam contra Lucas. Ele passa a ser desprezado, segregado e até agredido. Seus amigos, namorada, colegas, todos se voltam contra ele, que simplesmente não consegue argumentos contra a acusação de uma criança.


Não vou além no enredo do filme para não revelar ainda mais da trama, mas era importante mencionar alguns pontos para iniciar as questões que gostaria de discorrer aqui. Em tempos de linchamento virtual, que muitas vezes extrapolam o ambiente da internet e têm impactos concretos na vida das pessoas, quanto podemos dizer que esse comportamento é eficiente na execução de justiça em uma comunidade?


Durante décadas as vozes das vítimas sempre foram colocadas em dúvida. Geralmente o mais frágil tem menos crédito quando sofre algum abuso, então o "justiçamento" a partir de denuncias surgiu como uma maneira de corrigir falhas nesse sistema. Mas e quando o agressor usa isso como arma e a vítima se torna o suposto acusado? É uma assunto muito delicado. A vida de uma pessoa pode ser destruída após uma denuncia falsa que não é devidamente investigada antes de se tornar pública. E mesmo quando o acusado é inocentado, ou a falsa vítima volta atrás no que tinha falado, o estrago já está feito. Imagino que isso cause calafrios naqueles que lidam com adolescentes, por exemplo, mas já imaginou ser acusado por uma criança de cinco anos?


Isso nos leva a um segundo tema que A Caça aborda: até onde a sociedade corrompe o homem? Sempre me enquadrei entre aqueles que acreditam que o homem é produto do seu meio e que cada indivíduo deveria ter seus atos julgados frente ao contexto do meio em que vive. Mas o filme de Vinterberg me fez pensar o quanto nós já nascemos com desvios de caráter inerentes à condição humana. Algumas características detestáveis são naturais e passamos a vida inteira tentando reprimi-las. Seja a tentação de transferir culpa, fugir de responsabilidades ou sentir raiva diante de uma frustração. Não é incomum presenciar uma criança inventando uma história boba sobre outra para deixá-la em apuros, normalmente os adultos não dão tanta atenção à isso porque são situações inofensivas. Mas até onde uma criança tem noção de que uma mentirinha pode acabar com a vida de um sujeito?


A Caça é um filme que levanta questões muito relevantes, fica na cabeça do espectador durante dias, nos faz querer debater teorias, enfim, um ótimo filme. Vou tirar meio ponto porque achei alguns comportamentos do protagonista pouco natural pra alguém que está sendo vítima de tamanha injustiça. Ou será que não? Após assistir o filme vi a interpretação desse camarada no youtube: https://www.youtube.com/watch?v=zZ7bXc9OcVw. Apesar de não acreditar nessa teoria, é mais uma forma muito interessante de experimentar esse filme incrível.


Nota: 9,5 / 10,0


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